sábado, 9 de julho de 2011

TEMPOS DIFÍCEIS ESSES

“Arrependei-vos e credes no Evangelho! Aceite Jesus Cristo como seu único Salvador! Só Cristo salva! Pecadores, Jesus vai voltar em breve”!
Estava num ponto de ônibus, quando fui surpreendida pelas palavras de um homem, aparentemente simplório, contando já certa idade, porém inflamado e convicto de sua missão, digamos, salvadora. Fiquei imaginando o que poderia levar um cidadão comum a se investir de uma suposta autoridade religiosa a ponto de julgar e condenar aqueles que não comungam das mesmas idéias acerca da religião e seus dogmas.
Aquele homem franzino, com um paletó puído e Bíblia na mão, ia e vinha, gritando e gesticulando, indiferente aos olhares e comentários, como se estivesse em transe, e talvez estivesse mesmo, num misto de humildade e soberba que me deixou desconcertada.
Enquanto esperava o ônibus, ocorreu-me que há muito tempo não entrava em uma igreja. Quantos conceitos alimentados há anos foram deixados para trás. Lembrei-me de que, muitas vezes, foi melhor acreditar, por medo, do que correr o risco de ser castigada. Talvez as religiões só sirvam para satisfazer nossas conveniências momentâneas, ou para frear atitudes que mais nos prejudicariam do que aos outros.
Quando pequenos, nos empurram dogmas e práticas religiosas que aceitamos sem questionar, até sermos atingidos pelo vírus da dúvida na adolescência. Ainda assim, em muitos casos, nesse período da vida, não conseguimos extirpar as marcas indeléveis dos primeiros ensinamentos religiosos, os quais determinarão muitos dos nossos comportamentos e atitudes no decorrer da vida.
Mas onde estará a verdade afinal? Com os filósofos, com os cristãos, com os judeus, com os muçulmanos, com os agnósticos? Como continuar sendo adepto de uma comunidade religiosa, quando se descobre que os princípios que norteiam a maioria delas são baseados na cultura do medo e do castigo e, pior, quando se tem certeza de que o objetivo principal da congregação é o incentivo à aquisição de bens materiais e não do tão pregado crescimento espiritual?
O tempo passava, a condução que eu esperava não chegava e o pobre homem, movido pela ignorância, ou pela crença, continuava a fazer sua via crucis naquele terminal, onde pessoas de pouca, ou nenhuma fé, misturavam-se a outras apressadas e impacientes. Tinha ele a certeza de que estava cumprindo sua missão de trazer a ovelha desgarrada de volta a seu pastor. Difícil missão essa, já que vivemos num mundo essencialmente consumista. Não paramos nem para pensar se ainda acreditamos em algo sobrenatural, quanto mais para ouvirmos e colocarmos em prática verdades há muito descartadas. Caminhamos de um lado para o outro, não pregando o Evangelho do Senhor, mas tentando alcançar o ônibus que passou ao largo, atirando-nos freneticamente aos prazeres mundanos, ou querendo ganhar mais do que precisamos para nos mostrarmos melhor do que aparentamos ser.
O ônibus não chega e decido tomar um táxi. Precisava sair dali o mais rápido possível.
Tempos difíceis esses! Esperamos o ônibus, ele não vem, esperamos uma promoção, ela não chega, esperamos um grande amor, ele não aparece, só nos resta esperar que a eternidade, tão propagada por todas as religiões, traga os tão prometidos e postergados prêmios aos homens de boa-vontade.
Nunca mais vi aquele velhinho, mas cópias dele são distribuídas todos os dias, não só em pontos de ônibus, mas em estações de trem, em vias públicas e em qualquer lugar das grandes cidades onde existam pecadores, alienados ou sofredores. Serão os tais falsos profetas citados na Bíblia, ou serão anjos disfarçados, querendo nos salvar da hecatombe final?
Cheguei em casa cansada e confusa. Por via das dúvidas, ou por fé mesmo, elevei os olhos aos céus e agradeci a Deus pela oportunidade que, sem saber, aquele homem me dera para refletir e tive a certeza de que nenhuma religião pode trazer a paz interior e o desejo de amar o próximo, quando você já não os carrega dentro de si.